Capítulo 6

Anne sentiu calafrios por todo o corpo e ficou, por alguns segundos, sem saber o que dizer para a tia,que acabou desconfiando do assunto:

― Querida… Por que você está perguntando sobre isso? ―

Anne tentou controlar a voz, ao máximo, tentando impedir que soasse trêmula, quando respondeu:

― Não tem nenhum motivo. Só curiosidade… ―

― Ah, tudo bem. E você já sabe quando vem? Eu quero cozinhar para você! ―

― Infelizmente, não tão cedo. Descobri que temos bastante coisa para fazer por aqui, mas eu ligopara você quando sair daqui. ―

― Tudo bem, estou esperando por você. ―

Depois de desligar, Anne empalideceu ao sentar-se apática, no assento do vaso sanitário.

Ela sabia que Anthony era rico, mas não esperava que ele tivesse tanto poder em Luton. Entretanto,mesmo assim, ela ainda teria que fugir, por mais difícil que parecesse e, uma vez que escapasse deLuton, Anthony nunca a encontraria.

Ela poderia pedir a sua tia que levasse seu passaporte para o aeroporto, assim que fugisse daMansão Real e da Curva. Mas, o maior problema era ‘como’.

Dois dias depois, durante o jantar, Anne sentou-se à mesa e olhou para os pratos.

Ela deu uma mordida no pão, pegou a salada e deu uma fungada. O vago aroma de frutos do mar afez sentir medo. Sua mão estava tremendo. No entanto, ela pensou em tudo o que tinha conversadocom Sarah, alguns minutos atrás, e forçou a comida para dentro da boca, mastigou e engoliu.

A criada, que estava por perto, a viu comendo e pensou consigo mesma “Ela finalmente estácedendo!” E, rapidamente saiu do refeitório. Quando encontrou o mordomo, exclamou, empolgada:

― Hayden, a Senhorita Vallois está comendo a salada! ―

Hayden olhou para a empregada com uma expressão séria e acenou com a cabeça. Então, pediu quea criada continuasse de olho em Anne, enquanto pegava o telefone, para fazer uma ligação.

― Senhor Marwood, ela está comendo a salada. ―

No escritório, localizado no andar mais alto do arranha-céu, Anthony sentava em uma cadeira preta,com o telefone no ouvido. Seus olhos escuros eram penetrantes como os de uma águia, quandoperguntou:

― Ela já teve alguma reação? ―

― Eu não… ―

Antes que Hayden pudesse terminar de falar, houve um som alto vindo da sala de jantar e ele correu.

Os pratos estavam espalhados pelo chão, com pão e salada por toda parte. Ajoelhada no chão, Annetossia vigorosamente e era possível ver as erupções vermelhas que apareciam em seu pescoço e nosbraços.

― Sim, ela está com alergia ― o mordomo disse a Anthony.

O homem sorriu, com frieza, e ordenou:

― Leve-a para o hospital. ―

― Sim, senhor. ―

Anne entrou no carro e se apoiou fracamente na janela. Quando viu que o carro estava emmovimento, seus olhos, mesmo que doloridos, se iluminaram.

Dez minutos depois, as erupções tomavam conta do rosto da jovem e, mesmo isso, eram sintomasmenores. O mais grave era que Anne começava a ter dificuldade para respirar, como se alguémapertasse seu pescoço. Ela franziu a testa, enquanto o suor escorria por seu pescoço. A jovem sabiaque estava perto da morte. Mas, mesmo assim, um pensamento martelava em sua cabeça. “Não, eunão posso morrer. Eu tenho três filhos adoráveis. O que eles vão fazer da vida, sem mim?”

No entanto, apesar de lutar contra os sintomas, antes mesmo de chegar ao hospital, ela já tinhadesmaiado e foi enviada direto para a sala de emergência.

Quando Kathryn Brown, a médica-chefe, viu Anne, ficou chocada. Era a reação alérgica mais graveque tinha visto. Anne teria morrido se tivesse chegado mais tarde.

Como médica-chefe do hospital particular de Anthony, a doutora começou a tratar Anne,pessoalmente, como tinha sido ordenado.

Era meia-noite e o hospital estava silencioso. O ar carregava uma pitada de estranheza, como sesoubesse que algo sinistro estava para acontecer.

A porta da ala particular se abriu, silenciosamente, e uma sombra negra se aproximou da cama deAnne. Mais cedo, a respiração da jovem tinha estabilizado e a máscara de oxigênio havia sidoremovida. No entanto, seu rosto pálido ainda apresentava algumas erupções cutâneas.

Anthony se inclinou e colocou as palmas das mãos em ambos os lados da cabeça da jovem, como ummonstro, saboreando da dor alheia.

― Você gostou? ― Sua voz era baixa e fria.

Anne, mesmo a centímetros de distância, estava com os olhos fechados e não respondeu.

― Que pena que perdi seu olhar de agonia. No entanto, terei outras chances, no futuro ― sua vozsinistra sussurrou.

Anne, lentamente, ganhava consciência e, quando se virou, viu a janela de vidro iluminada pelo sol.Tinha amanhecido.

A jovem olhou o quarto e, sentindo o forte cheiro de éter, não teve dúvidas de onde estava. Por isso,soltou um suspiro de alívio. Ela finalmente tinha escapado da Curva.

A jovem se sentou na cama e, tocando o rosto com os dedos, sentiu as erupções mais profundas, queainda não tinham sumido.

Com uma batida na porta, a Doutora Kathryn entrou. Quando viu que Anne tinha acordado, disse:

― Não se preocupe, as erupções desaparecerão, após dois dias de medicamentos. ―

Anne olhou para ela, com uma expressão neutra e, constrangida, a mulher se apresentou:

― Sou a médica-chefe deste hospital. E a médica particular do Senhor Marwood. Me chamo KathrynBrown. ―

Anne ficou chocada. A médica-chefe de um hospital particular? Não era isso que ela esperava.Entretanto, Kathryn também estava curiosa sobre Anne. Era a primeira vez que Anthony pedia quealguém fosse tratado com tanta atenção e, inclusive, a jovem tinha sido trazida pessoalmente porHayden, o mordomo da Mansão Real.

“Anne deve ser alguém muito especial.” A doutora pensou.

Conforme as feridas do rosto de Anne sumiam, sua beleza estonteante era revelada. Uma mulheratraente como ela, andando ao lado de Anthony, faria qualquer um supor que eles eram um casal.

― Descanse bem. Se sentir alguma coisa, aperte o botão que eu virei. ―

― Obrigada. ―

― De nada. ―

Anne viu a porta se fechando e começou a pensar. Aquela era a médica pessoal de Anthony, então ajovem não deveria pedir ajuda a ela. Mas, de modo geral, a situação continuava desesperadora, afinal,ela esperava que Anthony não teria influência naquele ambiente e ela teria uma chance maior deescapar.

Ela tinha comido a salada de frutos do mar, que tanto temia, na esperança de ter uma chance de fugir.Tinha sido a única maneira encontrada de sair da Mansão Real, tão bem protegida. Mas, pelo jeito, oplano tinha sido em vão.

Depois do almoço, uma enfermeira entrou para trocar a intravenosa e ninguém mais apareceu, atéuma hora e meia depois, quando a enfermeira voltou.

Assim que Anne viu a enfermeira de cabeça baixa, seus olhos brilharam e, dez minutos depois, umamulher com uniforme de enfermeira saiu com uma máscara cobrindo o rosto. Ela carregava umaseringa e um remédio na mão, que jogou fora, ao passar pela caixa de lixo médico. Mas, em vez de irao balcão, ela foi para o elevador.

Não se tratava da enfermeira. A mulher no elevador era Anne. A jovem sentia o corpo arder, de tantaadrenalina liberada, enquanto a expectativa de fuga se tornava cada vez maior. Mas, seu sanguegelou quando uma mão impediu que a porta fechasse.

― Desculpa ― disse um médico, enquanto entrava.

Anne não respondeu, mantendo a cabeça baixa, e apertou o botão do terceiro andar. Assim que oelevador parou, ela saiu.

Sem querer se arriscar mais, desceu as escadas até o andar térreo, enquanto tirava a roupa deenfermeira. Sem mais imprevistos, a jovem conseguiu atravessar o saguão do hospital e cruzar asportarias para a rua.

Antes que alguém pudesse perceber que ela fugia, fez sinal para um táxi e foi direto para o aeroporto.No caminho, Anne pegou o celular e ligou para Sarah:

― Tia, você está no aeroporto? ―

― Sim, onde você está? ―

― Já estou chegando! Esperem por mim! ― Anne desligou e apressou o motorista ― Desculpeincomodar, mas você poderia dirigir mais rápido? Estou com pressa. ―

Quando estava chegando, ligou mais uma vez para a tia, para que ela comprasse a passagem.

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